quarta-feira, 15 de abril de 2015

Memórias De Uma Viciada. 
Gisele Santos. 

E a garotinha cresceu e mostrou todas as coisas ruins que haviam dentro dela. 
Pra começar do começo, relatarei a história de uma garotinha sonhadora. Ela sonava com o mundo ao seu redor, vivia no mundo da lua, fazendo planos. Inocente, ela acreditava num mundo cor de rosa. Até que um dia, por pura crueldade lhe disseram que a vida não é assim, que não existe mundo colorido nem nuvens de algodão doce e que não se pode ser senhor de si. Então seu mundo se escureceu, os ventos tomaram outra direção. Destruíram seus sonhos, o castelo que ela havia construído com tanto carinho em seu reino encantado desmoronou como um castelo de cartas. O paraíso que ela havia criado para ela se transformou em um inferno pessoal. Disseram que ela não seria capaz, que ela era uma fracassada, portanto, não precisava sonhar, já que permaneceriam apenas sonhos, nunca realidade. Fizeram de seus medos suas armas, aprenderam a assustá-la para controlá-la. Essa garotinha cresceu, acreditando que o mundo era uma droga de lugar, com pessoas maldosas. Disseram para ela que só estaria em segurança se estivesse em casa. Destruíram seu reino encantado e a aprisionaram numa torre, uma redoma de vidro. Ali eles tinham todo o controle. Diziam-na como deveria ser, do que deveria gostar, como deveria pensar e agir. Enfim, ela era perfeita. Perfeitamente infeliz! Encheram sua cabeça com ideias que não pertenciam a ela, e não deram chance para ela argumentar. Não a deixavam falar o que ela realmente queria. Ela era apenas uma marionete. Até que um dia, ela resolveu contrariar essas ideias. Havia engolido calada tanta coisa por tanto tempo, mas nesse dia, pediram-na algo absurdo demais para que ela simplesmente obedecesse. Então ela discordou, pela primeira vez em anos ela argumentou, disse o que pensava e se mostrou diferente. Nesse dia ela não correspondeu às expectativas. Estava detectado o defeito de fabricação. Mas eles não queriam descartá-la como um objeto qualquer, eles tentaram consertá-la, para que pudesse voltar à rotina de funcionamento padrão. Bateram nela, disseram que ela estava errada, que não podia discordar. Cuspiram nela, disseram que ela tinha que ser exatamente como eles queriam, pois, se não, ela não seria boa o bastante perante os olhos deles. Ela ficou muito machucada, os machucados doíam. Mas doía mais por dentro. Uma dor que ela não sabia explicar, apenas doía. Ela fora machucada por aqueles que ela mais confiava, aqueles que diziam que a amava. Disseram que aquilo era para o próprio bem dela, que um dia ela entenderia que não passava de amor. Então ela percebeu que se aquilo era amor, ela não queria sentir aquilo. Causar dor, machucar... era isso então o amor do qual tanto falavam? Então, mais uma vez seu mundo se quebra. Dessa vez de um jeito impossível de reconstruir. Foi aí que ela decidiu que não precisava mais de fantasias. Ela decidiu seguir em frente, e enfrentar o mundo. Mas ela estava presa na redoma de vidro. Eles ainda tinham o controle. Ela tinha perdido a capacidade de raciocinar por si própria. Então ela percebeu que tinha que quebrar o vidro, destruir as correntes, se libertar. Só assim ela seria feliz. Mas é claro, isso não era nada fácil. O único jeito que ela descobriu para fazer isso era fazendo o contrário do que a mandavam. E assim, ela passou a fazer coisas erradas. Um erro atrás do outro. Mas ela gostava da sensação de cometer os próprios erros, mesmo que as consequências viessem depois, seguidas de mais machucados. Ela não se importava. Naqueles momentos, onde ela errava, ela se sentia acertando. Ela era ela mesma, sem ninguém controlando sua mente. Pena que as pessoas não viam isso. Passaram a vê-la como uma delinquente. A ingrata que teve tudo e no final, cuspia no prato que comeu. E então, de vítima, ela passou a ser a agressora. Sempre a errada, incompreendida. Julgavam-na por essas atitudes, mas não sabiam da prisão que ela vivia. Não sabiam que era somente cometendo erros que ela acertava, era assim que ela aprendera a se sentir livre, a ser capaz. Nem tudo são flores, os erros iam aumentando, e os machucados também. As surras se tornavam mais frequentes. Os gritos, as brigas. Em casa era um verdadeiro inferno. Ela se sentia deslocada, como se não pertencesse àquele lugar. Às vezes, eles a faziam se sentir um monstro, faziam cenas dramáticas, a culpavam por coisas que ela não tinha o controle, e ela acreditava. Sentia-se culpada, um lixo. Quantas vezes era chorou a noite, em silêncio, por se sentir a pior pessoa do mundo por querer ser livre. Quantos tapas no rosto ela levou, quantos insultos ela escutou, até perceber que ela era o que ela queria ser, e não o que diziam que ela era ou o que queriam que ela fosse. Literalmente, ela apanhou muito da vida até aprender que ela não devia se culpar por querer ser ela, pelo contrário, ela não deveria era ser outra pessoa. Os errados eram eles, não ela. Mas demorou muito para ela perceber essas coisas, tempo demais. Tanto que talvez seja tarde demais para consertar as besteiras, das quais, hoje ela não se arrepende. Não, ela não venceu essa guerra. Mas ela ainda luta e não vai desistir, até que o último pedaço de vidro que a aprisiona seja quebrado, até que a última corrente que a prende seja destruída, até que ela tenha autonomia total sobre sua própria vida. Ela descobriu como passar pelos vidros, mas infelizmente, na maior parte do tempo, ainda é prisioneira. Mas não, ela não espera por ninguém para salvá-la. Num belo dia, quando ela estava em liberdade, olhando um arco-íris que havia se formado no céu, enquanto seu rosto era banhado pelas finas gotas de chuva que ainda caía, ela se fez uma promessa. Ela se salvaria sozinha. Se preciso fosse, passaria a vida prisioneira, mas não dependeria de ninguém. Nesse dia ela voltou a sonhar. A criança dentro dela encontrou vida novamente, e ela reconstruiu seu mundo de fantasia. Não perfeito como era. Um mundo mais real, com todos os defeitos e qualidades que ela vira em seus momentos de liberdade. Um mundo perfeito para ela, onde ela vive, sonha e se sente livre. E então o amor floresceu em seu coração, e ela percebeu o verdadeiro sentido da palavra amor. Ela sentia um amor verdadeiro, sem machucados, puro. Daqueles que só se vê em filmes. Ela não queria machucar ninguém, mas não percebeu que por amar sozinha, ela que era machucada. E esses machucados doíam mais do que quando ela apanhava. Esses não saravam com o tempo. E foi então que ela percebeu que não nasceu para amar e matou o amor dentro de si. Ela estava cansada de se machucar, de chorar, de se culpar. Não. Daquele dia em diante, não existiria mais amor dentro dela, não haveria mais machucados. Ela seria forte, diante de qualquer situação. Nunca mais mostraria seu lado fraco. Jurou não mais acreditar nas besteiras que contavam a ela. Jurou não mais ser enganada, não ser mais machucada. Jurou ser forte, mesmo que só para os outros. Ela sabia a verdade, mas aprendeu a disfarçar muito bem. Não sei se essa história terá um final feliz e a garota finalmente se libertará de tudo que a prende, ou se será prisioneira para sempre. Essas palavras fazem parte de um conto sem final, onde quem sabe, jamais se saberá o que aconteceu com a garotinha. Mas em todo o caso, ela guarda consigo os sorrisos que deu enquanto foi feliz em liberdade, antes que a descobrissem, capturassem e a isolassem do mundo. Essas lembranças farão com que ela lute pela liberdade até o último suspiro, pois a liberdade é como uma droga altamente viciante, uma vez que você experimenta, se torna dependente para sempre, e cada vez procura por mais. De verdade, ela só espera que todos experimentem essa incrível droga, que se viciem, e que tenham uma bela overdose. Não existe nada melhor do que a liberdade. Seja livre, ou morra tentando. Só assim a prisão se abrirá! 

- Memórias de uma fracassada que não conseguiu resistir ao vício em sua droga preferida: a LIBERDADE! 

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