segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

e então você se foi 
me deixando aqui 
num quarto com uma cortina rasgada 
e o Idílio de Siegfried tocando no radinho vermelho. 
e então você se foi tão rápido 
quanto quando você veio pra mim, 
e nós tínhamos dito adeus antes, 
e quando eu estava limpando seu rosto e lábios 
você abriu os maiores olhos que eu já tinha visto 
e disse "Eu devia saber 
que era você" 
você conseguiu ver 
mas não por muito tempo 
e um homem velho com pernas brancas e finas 
na cama ao lado 
dizia, "Eu não quero morrer,"
e seu sangue veio de novo 
e eu o aparei com as mãos em concha
tudo o que ficou 
das noites e dos dias também, e o homem velho ainda estava vivo 
mas você não estava 
nós não estamos. 
e você foi como você veio, 
você me deixou tão rápido
você já tinha me deixado várias vezes antes 
quando eu pensava que isso me mataria 
mas não 
e você sempre voltava. 
agora eu desliguei o rádio vermelho 
e alguém no apartamento ao lado bate uma porta 
a sentença final: eu não vou te encontrar na rua
o telefone não vai tocar, e nenhum movimento vai 
me deixar em paz. 
não basta que haja várias mortes 
e que esta não seja a primeira;
não basta que eu viva mais muitos dias, 
talvez até muitos anos. 
não basta. 
o telefone é como um bicho morto que 
não vai falar. E quando falar de novo será 
sempre a voz errada agora. 
antes eu esperava e você sempre entrava 
porta adentro. agora você vai esperar por mim. 

- Charles Bukowski. 


Sobre meus fevereiros, sempre em luto. Sempre em luta comigo mesma. 

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